Entrevista - Cover Baixo (2010)

(Por Sérgio Pereira)

Plugar o instrumento, ler e tocar da maneira mais eficiente e, muitas vezes, mais rápida possível: este é o universo dos sidemen, músicos que correm de estúdio em estúdio ou de palco em palco para fazer gravações com cantores(as) e bandas das mais variadas tendências e níveis de conhecimento musical, optando por este ou aquele contrabaixo, técnica, timbre, efeitos e outros periféricos / acessórios a fim de agradar ao contratante (compositor ou produtor musical) em relação ao repertório definido. Um dos músicos mais requisitados como sideman nas notas graves atualmente é Claudio Rocha.

Residente em São Paulo, Claudio iniciou seus estudos musicais com Beto Vasconcelos e Aldo Landi. Há mais de 12 anos, tem gravado e excursionado com diversos artistas, como Daniel, Leonardo (com quem gravou o último DVD / CD), Claudia Leitte, Guilherme & Santiago, Jair Rodrigues, Mara Maravilha, Soraya Moraes (participou do CD Deixa O Teu Rio Me Levar, vencedor do Grammy Latino em 2008), João Mineiro & Marciano, Chico Rey & Paraná, João Alexandre, Vencedores Por Cristo, Lula Barbosa, Rique Pantoja, Nando Reis, Marcio Montarroyos, Corciolli, Chiquinho Oliveira e Angela Marcia, entre outros vários. Em 2008, foi integrante da banda do espetáculo High School Musical (Brasil). Atualmente, tem aparecido frequentemente na televisão, como contrabaixista da banda do programa "Ídolos", da TV Record. Além disso, mantém seu blog (www.captainbasement.blogspot.com) bem atualizado e repleto de dicas e comentários pertinentes sobre a vida profissional de um sideman.

Claudio Rocha abriu espaço em sua concorrida agenda nos concedendo uma entrevista a respeito de diversos aspectos de seu trabalho (setup, direitos autorais, profissionalismo, leitura de partitura, curiosidades sobre os bastidores de programas de TV e estúdio, entre outros). Além disso, enviou-nos alguns exemplos sobre estilos da música sertaneja e outras gravações que tem realizado.

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Fale um pouco sobre o início de sua vida musical: estudos, professores, influências, primeiros trabalhos…
   Comecei meus estudos com Beto Vasconcelos e Aldo Landi. Depois disso, fiz alguns cursos avulsos, um deles com Itamar Colasso. Vindo de uma formação totalmente rock'n'roll, foi nas aulas que descobri o jazz, samba, bossa, fusion e o trabalho de baixistas como Paul Chambers, Ed Gomez e Sizão Machado, entre outros. Com relação a influências, acho que posso dividi-las em duas fases: a dos estudos e a dos trabalhos. Quando estudava, minhas influências eram Jeff Berlin, Jaco Pastorius, John Patitucci e Marcus Miller. Quando comecei a trabalhar em estúdio, isso mudou bastante, pois comecei a pesquisar outros tipode de baixistas, como Neil Stubenhaus, Pino Palladino, Luizão Maia, Pedro Ivo, e outros.
   Comecei a fazer um circuito de bares em São Paulo e isso foi muito bom para desenvolver o jogo de cintura, já que nunca se sabia o que os clientes pediriam para a banda tocar, depois de terem tomado algumas cervejas. Fui chamado para uma gravação em 1997 e acabei enveredando por esse caminho, tanto é que só fui acompanhar artistas depois de 10 anos gravando, praticamente o caminho inverso de muitos músicos que conheço.

No seu blog, você fala sobre várias situações em estúdio. Comente algumas da mais inusitadas.
   Como diz o Dave Hungate (baixista de Nashville), estúdio é um meio fascinante, e geralmente indolor, de ganhar a vida. Acontecem muitas coisas diferentes, como o dia em que cheguei para gravar overdubs de baixo, ou seja, a base estava pré-gravada. Então, o produtor me diz que uma das músicas havia mudado e não havia base. Aí, tive de gravar o baixo ouvindo só o metrônomo, sem nenhuma harmonia ou ritmo, torcendo para não ter pulado nenhum compasso.
   Outra história interessante é a de uma gravação de baixo e bateria para um artista gospel, na qual os músicos da banda foram substituídos por nós, músicos de estúdio. Começa a gravação e, em determinado momento, os músicos da banda aparecem no estúdio, cruzam o braço e ficam nos olhando com cara de maus, dentro da técnica, enquanto gravávamos nossos takes.

Quando você iniciou seus estudos musicais já tinha em mente trabalhar como sideman?
   Não, só queria saber de improvisar e tocar coisas complicadas, que desafiassem a minha técnica. Mas à medida em que comecei a gravar, percebi rapidamente que minha abordagem deveria ser bem diferente se quisesse sobreviver no mercado de gravações. Muitas vezes a melhor linha de baixo não é a mais complicada, mas aquela que serve à música. Isso me custou muita disciplina no começo, mas quando percebi a beleza por trás de ser sideman, tudo ficou muito mais rápido e natural.

O que é ser um bom sideman?
   Acho que um bom sideman é aquele que coloca a música à frente de sua capacidade técnica e do gosto pessoal, que sabe se adaptar a situações musicais diferentes e ainda tem a capacidade de se divertir com isso. Conheço muito sideman frustrado por ter que tocar de uma maneira simples, como se isso o diminuísse musicalmente, mas não vejo a coisa dessa maneira. Consigo perceber o que estou construindo com a banda, mesmo que esteja tocando uma nota a música inteira, e me divirto muito com isso. Assiti a uma entrevista com o Neil Stubenhaus em que ele fala que sente prazer em tocar o mesmo groove 20 minutos, se isso soar bem com a banda. Concordo plenamente.

Na sua opinião, quais são as melhores referências de contrabaixistas que prestam serviço em gravações de estúdio, no Brasil e exterior?
   Sem dúvida, Nathan East, Neil Stubenhaus, Pino Palladino e Lee Sklar estão na lista de músicos de estúdio top no mundo, gravando inclusive com artistas brasileiros. Aqui no Brasil, gosto muito do trabalho do Sizão Machado com o Djavan e o conjunto da obra do Luizão Maia. Uma das minhas referências pessoais é o Pedro Ivo. Considero-o um músico completo, tanto é que aparece na maioria das fichas técnicas de grandes produções.

Quais são seus cuidados em termos de equipamento, aquecimento, preparo de músicas antes de uma gig no estúdio ou ao vivo?
   Os cuidados variam de acordo com o tipo de trabalho que vou realizar. Se for uma gravação, minha filosofia é: "melhor sobrar do que faltar". Mesmo que vá gravar uma faixa só, levo todo o equipamento, só por precaução. Uma coisa muito ruim é você ouvir a música que vai gravar e pensar: "essa ficaria legal com aquele baixo que deixei em casa". Ou levar um instrumento só, porque o produtor te falou qual baixo era, mas na sala ao lado estar acontecendo outra gravação. Aí, o técnico chega e fala: "será que você gravaria uma faixa para esse grupo? Trouxe seu fretless?" É raro, mas acontece.
   Se for um show, gosto de estudar as músicas em casa para tocar com mais tranquilidade. Se for uma turnê, procuro decorar as músicas para poder interagir mais no palco. No High School Musical, escrevi todas as linhas, nota por nota, e fiquei lendo as partituras no primeiro mês, depois tomei coragem e guardei a pasta. Mas já peguei muito show com a partitura na frente, e aí é bom estar com a leitura em dia.

Ler Partitura é um diferencial para conseguir bons trabalhos no meio musical?
   Hoje em dia, infelizmente, ler partitura virou um diferencial do músico, quando deveria ser o essencial. Como poucas pessoas escrevem as linha para contrabaixo em clave de Fá, não existe muito estímulo para o músico estudar leitura. A maioria lê cifra e divisão rítmica, e algumas convenções em clave de Sol, o tipo de partitura mais comum em gravações. De qualquer modo, ultimamente tenho trabalho com arranjadores escrevendo - e muito bem - linhas para cada instrumento, e aí é bom estar com a leitura afiada. Por isso, procuro sempre estudar leitura no meu tempo livre.

Desde a primeira edição do programa "Ídolos", quem pilota o contrabaixo é você. Como é a rotina de ensaios e arranjos para as semanas? Os cantores têm o poder de dar opinião a respeito do arranjo a ser tocado no contrabaixo?
   A idéia dos ensaios do "Ídolos" é formatar a música para o candidato, ou seja, ajustar tom, estilo e duração. O Beto Paciello, diretor musical do programa, vem com o arranjo escrito, mas os candidatos têm liberdade para pedir ou sugerir mudanças, então, tudo pode acontecer. Algumas vezes, o tom muda e temos que ler transpondo; em outras, uma música brega vira tango, e por aí vai. Alguns candidatos trazem uma música de referência, para dar idéia do que pensaram sobre o arranjo. É um processo bem democrático e tenho total liberdade para escolher o tipo de baixo, efeitos, etc. A respeito de opiniões sobre o que devo tocar no contrabaixo, eles também têm liberdade para isso. Em um dos últimos programas, um dos candidatos, Diego Moraes, sugeriu que entrasse somente o baixolão e fizéssemos a primeira parte da música dessa maneira, o que de fato aconteceu, me deixando a tarefa de administrar o nervosismo na hora.

Você gravou o último DVD do cantor Leonardo e também participou da banda de apoio do High School Musical. Os testes de seleção são rigorosos?
   No High School Musical, o Beto (Paciello) havia montado a banda para os shows e faltava o baixista. O Maguinho me perguntou pelo MSN se eu tinha interesse em participar. Eu disse que sim e ele repassou para o Beto. Apesar de não me conhecer, tanto pessoalmente como musicalmente, o telefonema dele se resumiu a isso: "Oi, é o Beto Paciello. O Maguinho te indicou para a gig. Você quer? Então já tá!" Ou seja, uma questão de confiança total na palavra do parceiro de trabalho.
   No  Leonardo, também fui chamado por causa de um amigo que toca na banda, o Claudio Baeta. Como o baixista iria tocar violão no DVD, e eu conhecia o pessoal da banda por causa de várias gravações, a coisa andou naturalmente, já cheguei para os ensaios.
   Tanto em um caso como no outro, não houve nenhum tipo de audição ou seleção. O que contou foi a indicação de colegas que conhecem meu trabalho. Obviamente, isso pode ser arriscados para eles, porque se eu não tivesse dado conta do recado, além de me queimar, poderia prejudicá-los. Então, a responsabilidade foi dobrada.

Você tem atuado bastante dentro do gênero sertanejo, com Daniel, Leonardo, João Mineiro & Marciano, Chico Rey & Paraná, Guilherme & Santiago, entre outros. Mas os estilos dentro do gênero sertanejo são variados. O que aprendeu sobre música sertaneja nesses anos de estrada?
   Aprendi, em primeiro lugar, a não subestimar esse estilo, principalmente o sertanejo de raiz. Comecei a gravar música sertaneja em 2001 e tive um grande professor, o produtor Mario Campanha, um mestre no estilo. Apesar de saber que eu não tocava nada de sertanejo, pois vinha tocando pop rock em quase todos os trabalhos que fazia, ele decidiu investir em mim.
   O Mario chegava e dizia: "essa música que vamos gravar é um cururu". E tocava a levada no violão. Eu fazia cara de quem sabia e ia gravar na sala de bateria. Quando terminava, pegava um caderno e escrevia a linha, as frases e variações. E, assim, fui aprendendo uma gama de estilos, como chamamé, rasqueado, polca, vanerão, etc.

Para trabalhar em estúdios e acompanhando grandes artistas, muitos músicos passam a morar em São Paulo e Rio de Janeiro a fim de conseguir bons contatos. Apesar de toda tecnologia digital e as facilidades da internet, você acha imprescindível morar nestes grandes centros para trabalhar na área de gravações?
   Acho que não é uma regra, mas pode facilitar um pouco no processo. Um músico que mora longe às vezes não conseguirá atender ao chamado de uma produtora de jingles, por exemplo, pelo simples fato de que na maioria da vezes os caras pedem para você estar no estúdio em 30 minutos. Outras vezes, uma parte do cachê é gasta no custo de viagem, pedágio, etc, e pode não compensar para o músico, caso não consiga uma verba extra para essa finalidade.
   Conheço músicos excepcionais, que trabalham muito, e moram no interior. Por causa da sua alta qualidade, os produtores pagam a mais para poderem tê-los em seus trabalhos, pois sabem que isso fará diferença no produto final.

Quais são seus critérios para dizer "sim" ou "não" para um trabalho?
   Apesar de serem subjetivos, existem alguns critérios. Um deles seria o cliente. Por exemplo, parei de trabalhar com pessoas em quem não confio. Na minha opinião, música é entrega, e não consigo me entregar pensando se o cara vai me pagar ou dar calote. Por incrível que pareça, me considero abençoado em poder dizer que tenho relacionamentos de confiança com todos aqueles com quem trabalho.
   Outro critério é o estilo de música. Apesar de ter uma certa versatilidade, acho que alguns trabalhos necessitam de músicos específicos naquela área. Por exemplo, sei tocar forró, mas se o CD for só de forró, talvez seja mais interessante chamar um especialista no estilo - e às vezes cabe a mim dar essa sugestão.
   E, por último, o cachê. O mercado é complicado, e cabe a nós sermos flexíveis, mas ao mesmo tempo sabermos nos valorizar. Algumas vezes me ligam chamando para uma gravação, mas o cachê é tão baixo que, educadamente, me recuso a fazer. Se eu não me valorizar, não será o mercado que irá fazê-lo, então, é sempre um braço-de-ferro. Mas, dessa maneira, vamos construindo nossa reputação. Hoje, quem me liga geralmente sabe o meu cachê, e mesmo assim acha que vale a pena me chamar.

No estúdio, o melhor é plugar direto na mesa, mesmo que passando por um pré, ou em um aplificador antes?
   Hoje em dia, a maioria das situações é resolvida com o baixo indo direto para a mesa, mas às vezes um bom ampli microfonado é sensacional. Acho que cabe ao músico, ao produtor e ao técnico a percepção de qual abordagem soaria melhor para cada situação. Às vezes, a mistura de ambos - ampli e direto - também fica muito boa. O difícil é que poucos estúdios têm amplificadores bons de baixo, então, ando sempre com um Bass Pod para quando for necessário.

Você trabalha muito com um contrabaixo de cinco cordas. Para seu trabalho como sideman, considera isso fundamental?
   Apesar de não achar fundamental, o Si grave (5ª corda) é importante em alguns estilos e muitos arranjadores e produtores esperam ver um baixo de cinco cordas na gravação, por causa da sua extensão maior de notas e por parecer ser mais versátil. Particularmente, não acho nenhum melhor que o outro, somente mais apropriado em determinadas situações. Em alguns trabalhos que fiz de pop rock, praticamente só usei baixos de quatro cordas, então, não vejo uma regra muito clara nessa questão.

Como contrabaixista em vários CDs e DVDs, você recebe direitos autorais? Como funciona a arrecadação para os músicos de uma gravação?
   Recebo direitos conexos sobre as músicas que gravei e que estejam entre as 600 mais tocadas nas rádios. O passo é se filiar a uma associação ligada ao ECAD, no meu caso, a Abramus. Assim que o dinheiro chega lá, é repassado para minha conta. Vale a pena, até porque os conexos são recebidos enquanto a música estiver tocando, ou seja, até hoje recebo sobre músicas que gravei há um bom tempo. Em alguns CDs que gravei, acabei ganhando mais com conexos do que com o cachê propriamente dito.

Indique métodos, livros ou DVDs que foram importantes para seu desenvolvimento musical (leitura, estilos, técnica).
   "Reading Contemporary Electric Bass Rhythms" - Richard Appleman (Berklee Press), "Sei Suite Per Violoncello Solo" - J.S. Bach (Ricordi), "Funkmasters" (Manhattan Music Publications), "22 Contemporary Melodic Studies" - Bruce Gertz (Gertz Music), "Studio Bass Masters" - Keith Rosier (Miller Freeman Books). Além desses, o DVD "Modern Electric Bass", de Jaco Pastorius.

Quais são seus projetos futuros? Talvez um trabalho solo?
   Como diz o velho ditado: "casa de ferreiro, espeto de pau". Tenho algumas músicas para um trabalho solo, mas o difícil é achar tempo para trabalhar nelas. Acabo gravando para todo mundo, menos para mim. Uma hora sai, se Deus quiser. Outro projeto é gravar um CD com o baterista Maguinho, mas aí a complicação com os horários é multiplicada por dois. Mas a gente não desiste, ainda vai sair.

Que conselho você daria para quem pretende atuar como sideman?
   Ser sideman exige disciplina, muita pesquisa sobre estilos que às vezes não são os nossos prediletos, mas esse esforço com certeza será recompensado. Trabalhe para ser uma pessoa íntegra, fácil de lidar, tenha sua técnica e leitura em dia. Uma atitude profissional correta constrói uma carreira sólida, e é só uma questão de tempo para colher os frutos.

Comentários

Daniel disse…
Bela entrevista. Curti :upjoinha:

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