Michael Morris

"To Thine Own Self be True"
Bryan Beller

Michael Morris era um baixista nervoso. Afinal, um bom tempo tinha passado desde sua última incursão no mais assustador dos mundos, o das "jams" de jazz. Provavelmente há uns oito anos atrás, na época da escola de música, quando decidiu não levar uma vida dedicada a estudar Paul Chambers e Ray Brown. Não que Michael não apreciasse esses caras e sua música; ele apenas se sentia mais identificado com, digamos, John Entwistle e Pino Palladino do que com Mingus e Pettiford.
A mudança teve seu retorno. Morris achou trabalho com o mercado de rock, pop e até jazz-rock quase imediatamente após sair da escola. O reconhecimento veio logo após, e sua voz no instrumento foi desenvolvida firmemente durante anos de gravações, gigs, e experiências musicais variadas.
Então algo engraçado aconteceu. Alguns baixistas novos vieram para a cidade e estavam fazendo algo intenso no cenário musical. Eles ouviram que Morris era um dos caras da cidade para fazer contato, e foi o que fizeram. Morris estava envaidecido, curtindo a "massagem no ego" até o momento em que o convidaram para uma "jam" no clube local. "Você sabe", um dos rapazes disse despretensiosamente, "apenas alguns standards e coisas do tipo."
A simples palavra "standard" semeou o medo no coração de Michael. Apesar de uma reputação tão falada, ele sabia apenas três músicas originais do Real Book na sua memória: "Footprints," "So What?" e "Invitation" (essa última graças ao Jaco). Morris recusou ao convite por quatro semanas consecutivas até finalmente ceder.
E lá vai ele, bag sobre os ombros, se dirigindo para o clube. Nervoso.
A banda da casa tinha acabado de começar, e o rapaz que o convidadara cumprimentou-o do palco enquanto Michael afinava seu baixo. Morris acenou do bar pouco antes de pedir uma bebida forte para relaxar. Dois minutos mais tarde, a garçonete chegou em sua mesa para anotar o pedido, mas sua voz foi abafada pelos acordes de introdução da primeira música: "Invitation."
Bem, pensou, minha primeira música já era.
E assim foi. O baixista também era o líder da banda, e tocou a música com a confiança de alguém que já tocou-a umas cem vezes. No fretless, ainda mais. Morris conhecia "Invitation" o suficiente para saber que sua sequência de acordes não era das mais fáceis para improvisar, mas isso não preocupava o outro rapaz. Escalas meio-diminutas em acordes aumentados? Melodias constantes sobre tonalidades que mudavam violentamente? O que, ele estava preocupado? E isso foi antes do rapaz começar com harmônicos. Morris tentou ficar sentado e apreciar, mas acabou ficando com a garganta seca.
O baterista começou a tocar em 6/8 enquanto o público ainda aplaudia o fim da primeira música. Não, pensou Morris, não pode ser. Entretanto, era "Footprints." O guitarrista e o violinista fizeram solos. Ambos foram de outro mundo, com linhas notáveis e fraseado maduro. O baixista estava segurando a base, executando sua função plenamente. O segundo drink chegou e desapareceu em algum lugar durante o solo de violino.
Trinta minutos e três músicas depois, o baixista da casa convidou um amigo para subir ao palco. O novo rapaz subiu com um baixo de 6 cordas de arrasar e começou um groove de funk. Ele tinha seu pulso curvado e polegar apontado para cima à la Marcus Miller, e o som de slap era impressionante, para não mencionar a levada. Morris ainda estava lamentando sua falta de uma técnica de slap decente quando, para seu horror, o violinista começou a tocar a melodia de "So What?"
Tem de ser brincadeira! disse silenciosamente. Mas o que eu vou tocar agora? "My Generation"?
Enquanto o Novo Rapaz estava improvisando e cantando simultaneamente, um completo Morris detonado estava oficialmente na área. Sua mente rapidamente se tornou uma mistura de veneno musical, jorrando sobre coisas que ele não fazia bem ou simplesmente não fazia mesmo. Um terreno não muito fértil sobre idéias a respeito de qual música tocar.
"So What?" terminou. O Novo Rapaz deixou o palco cumprimentando todos os membros da banda. O baixista da banda aproximou do microfone novamente. "Nós temos um convidado muito especial hoje aqui... Michael Morris está aqui. Vem aí, cara!"
Uns poucos aplausos seguiram. De fato muito especial, ele pensou.
Morris sondou seus pensamentos pela resposta. Qua carta ele poderia tirar da manga para igualar o que ele havia presenciado? Como ele poderia impressionar aquele público? Ou, ao menos, simplesmente evitar um total fiasco?
Como um novo baterista também entrou, o violinista fez a pergunta: "O que vocês querem tocar?"
Foi a maneira que a pergunta foi colocada que o salvou. Embora ele apreciasse o que havia visto, ele não queria ser aquele tipo de músico. Se quisesse, deveria estar envolvido com aquilo por anos - então talvez chegasse ao ponto onde se sentisse confortável com aquilo. E ele estava bem da maneira que estava. Porque ele não poderia estar bem com essas coisas bem agora?
"Bem," disse Morris, "que tal 'Mercy, Mercy, Mercy'"?
Os outros rapazes pareceram confusos por um instante e então concordaram. "Claro," o violinista disse. "Você pode fazer o primeiro solo? Estou um pouco perdido na música."
Escalas de blues e pentatônicas dançaram livremente pela cabeça de Michael, e a tensão saiu de seu corpo como água de um poço. "Sem problemas."
A música terminou com bem mais aplausos do que quando tinha sido apresentado. O baixista da casa estava esperando por ele assim que deixou o palco.
"Cara, foi demais. Groove de primeira linha. Muito obrigado por ter vindo. Eu realmente não achava que você viesse."
"Ei, pare com isso. Você e os outros caras foram simplesmente inacreditáveis. Totalmente fora de controle." Morris sorriu e balançou a cabeça. "Sendo totalmente honesto, é estranho o fato de eu estar aqui. Eu geralmente não faço mais coisas como essas. Eu quero dizer, vocês acabaram de sair da escola, tocando dessa maneira - todos os que estão lá são bons dessa maneira hoje?"
"Hmmm. Eu não diria que todos eles são bons, mas o que são estão ficando assim cada vez mais jovens. Tem um monte de gente tão boa quanto eu, se não melhor."
"É," Morris disse enquanto colocava seu Fender de 5 cordas no bag, "mas eles nunca serão você."

Comentários

Anônimo disse…
Fantástico o texto, parabéns!
Leonardo Castro disse…
Esse texto é seu Claudião ? Se for, parabéns !
Claudio Rocha disse…
Não. Esse é um texto escrito por um baixista chamado Bryan Beller, e que saiu na Bass Player há uns 15 anos atrás.

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